As oito características que, segundo nossa maneira de ver, diferenciam a Capoeira Angola e a definem como arte são as seguintes:
1) Malícia: Quase todos os autores (e praticantes) são unânimes em admitir que este é um dos "fundamentos" da Capoeira - a habilidade de surpreender o adversário, de "fechar-se" e evitar ser apanhado de surpresa pelo outro. O bom capoeirista está sempre "fechado" e sabe que a qualquer movimento seu corresponderá um equivalente do adversário, exigindo que esteja preparado até para os mais inesperados.
A picardia no jogo é admirada (e desfrutada) pelo público e pelo próprio adversário. O "angoleiro" distrai seu rival, brinca com ele, engana-o, mostrando-se desprotegido, para ser atacado justamente onde desejae, assim, lançar seu contra-ataque com mais eficácia.
2) Complementação: Os dois jogadores ficam atentos aos movimentos um do outro e sempre se deslocam, atacam ou se defendem em função do que fizer o adversário, ou para provocar determinado movimento deste. Joga-se sempre perto do rival e respondendo a seus movimentos através de ataques, defesas e contra-ataques.
Os capoeiristas não devem entrar em choque direto, porque assim a harmonia do jogo será rompida. É preciso contribuir para criar essa harmonia desenvolvendo o próprio jogo, mas deixando que o adversário possa fazer o seu próprio É preciso jogar e deixar jogar.
3) Jogo baixo: O jogo de Angola tem movimentos predominantemente (mas não apenas) baixos. Isto significa que, embora grande parte dos movimentos requeira que ambas as mãos estejam apoiadas no chão, as pernadas são, em geral, de pouca altura, e as posições de guarda (com as quais se espera o movimento do rival e se prepara o próprio) exigem que as pernas estejam flexionadas e o tronco e a cintura a baixa altura.
Ao contrário do estereótipo, Angola também se joga de pé, mas as pernadas são baixas. Embora predomine o jogo a baixa altura, os movimentos de pé e em posições intermediárias (que permitem passar de um plano alto para outro, baixo) têm importância quase equivalente, já que esta alternância possibilita maior quantidade de movimentos e dá uma dinâmica especial ao jogo.
4) Ausência de violência: Na Capoeira Angola, os jogos, em geral; são exatamente isso - jogos. Pretende-se, sim, atingir o adversário com alguns golpes, evitar que ele nos alcance, mas na Angola bem feita, jogada por mestres e alunos adiantados, a luta (no sentido de atingir o adversário) está sempre inseparavelmente misturada com o jogo. Esta paródia de um combate traz prazer, diverte tanto os que jogam como os que observam. Isto se verifica nos corpos descontraídos e nos rostos sorridentes dos jogadores, e no prazer desfrutado por quem observa. Freqüentemente, quem é (apesar de todos os esforços em contrário) atingido por algum golpe sorri e se diverte com essa picardia de seu adversário, que conseguiu penetrar suas defesas. Certa vez, Canjiquinha, um dos mestres da velha guarda baiana, como comentário apreciativo sobre um dos melhores angoleiros da nova geração, declarou: "Ele joga rindo o tempo todo". Esta atitude descontraída também é observada na duração dos jogos, muito mais longos do que os da Regional.
Apesar disso, não se deve incorrer no equívoco freqüente de considerar a Capoeira Angola apenas um jogo. É um jogo sim, mas apenas a partir do momento em que ambos os jogadores, respeitando a tradição, decidem divertir-se dentro de uma roda. A violação deste acordo tácito por algum dos adversários pode fazer com que o jogo se transforme em luta. Citando o Mestre João Pequeno, o mais antigo angoleiro dos que ainda ensinam esta arte: "A Capoeira é brincadeira, a Capoeira é festa, é alegria mas, na hora exata, ela é defesa".
Sem os golpes espetaculares da Capoeira Regional, o angoleiro desde o início aprende a fechar-se, a não deixar resquícios de seus movimentos e a atacar no momento certo. Um bom angoleiro é muito difícil de agarrar e aproveitará a mínima falha ou vacilação de seu adversário para atingi-lo.
5) Movimentos bonitos: Este é um dos elementos mais importantes da Capoeira Angola, e dos menos entendidos. Nesta mistura indissolúvel de luta e jogo, o elemento estético adquire grande importância. Mas é uma estética própria, que surge de um contexto étnico determinado (o afro-brasileiro) e que, por isso, não é bem compreendido e se transforma rapidamente (para não dizer se perde) quando essa forma artística se desloca para outros segmentos sociais que não a compartilham.
Essa característica se soma às anteriores, e, embora o angoleiro procure fazer movimentos bonitos, por causa da importância da malícia, da complementação e união de jogo e luta, nunca, ou quase nunca, os fará pela beleza em si. Os movimentos, embora sempre bonitos, servem como defesa para o deslocamento ou, ainda, para o ataque, e são respostas a movimentos dos adversários. É difícil ver um angoleiro ficar desprotegido por fazer um movimento belo. Ele o fará, mas de forma tal a ficar protegido ou a levar seu adversário a pensar que está. Aí inventará um contra-ataque fulminante. Tampouco interromperán o fluir do jogo para fazer alguma pirueta que não seja exigida.
É importante a idéia de uma estética própria, porque este é um dos aspectos da Capoeira que mais está se perdendo com a incorporação de elementos e modelos provenientes das artes marciais e/ou da ginástica esportiva. Assim, se a técnica da Capoeira Regional requer ou enfatiza os movimentos altos, retos, estilizados, a beleza particular da Capoeira Angola reside em movimentos encolhidos, fechados, para dar pouco espaço ao adversário, mas com um perfeito controle do corpo, para desarmá-los ou transformá-los segundo o momento o exija. A expressão do rosto, a gestualidade das mãos e braços, a ginga mais dançada e, freqüentemente, quase substituída por passos do bailado de outras manifestações negras, a cadência geral dos movimentos - tudo isso é parte importante dessa estética (quase impossível de descrever adequadamente por escrito), que reflete fielmente sua origem social e cultural.
6 ) Música lenta: A Capoeira Angola é cadenciada e se realiza com um ritmo lento, em comparação com o de outras variantes. É um jogo de domínio do corpo, mas também da mente. Num bom aprendizado, os movimentos de um jogo são esmiuçados e as várias possibilidades de ação estudadas, como num jogo de xadrez. A descontração do corpo e os movimentos lentos permitem que os jogos de Angola sejam muito mais demorados que os da Regional.
7) Importância do ritual: A Capoeira é um jogo com regras não escritas mas que, assim mesmo, estão presentes e regem seu desenrolar. No caso da Angola, o conhecimento dessas regras (que regem um número de aspectos muito mais diversificado do que em outras variantes) é muito importante. Não se pode ser bom angoleiro quando não se sabe direito quando sair do pé do berimbau, que gestos invocando proteção se realizam antes disso, ou como se faz adequadamente uma "pedida de aú". A infração a estas regras provocará gestos de desaprovação entre os assistentes, ou o infrator será ridicularizado. Como no Candomblé, no qual saber que cantiga cantar no momento adequado demonstra conhecimento, "estar por dentro" desta manifestação da cultura popular, assim também acontece com a Capoeira. A correta apreciação do que está acontecendo num jogo e de como atuar com relação a isto também é motivo de orgulho e prestígio dentro do grupo.
8) Teatratidade: Este é outro aspecto geralmente relegado quando se fala de Capoeira. Na prática, cada vez mais é deixado de lado como coisa do passado, próprio da Capoeira classificada como "folclore".
No entanto, as expressões do rosto, os movimentos das mãos, fingindo medo, distração, alegria, conviidando o adversário a jogar ou distraindo sua atenção; a maneira como certas canções são gestualizadas; tudo isso faz parte da essência da Capoeira Angola.
http://www.youtube.com/watch?v=LiDE88_Wr3c
Por: Mauro Ferreira
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